quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

40 minutos

"Já lá vão alguns anos quando entrei num autocarro no qual entrava todos os dias. A viagem demorava cerca de 40 minutos. Esse era o tempo que me separava do descanso da minha casa.
Nesse dia, como em todos, pedi para que não estivesse lá ninguém que eu conhecesse para poder dormitar um pouco, e pensar sem que nada me incomodasse.
Mostro o passe. Olho para os bancos...(na sua maioria vazios)...e oiço uma voz:és tu?. Olhei.
Pois...era eu! E quem era essa voz...do meu tio. Um tio que não havia há anos, irmão do meu pai...esse também que não via há mais anos ainda.
O meu coração gelou. Os meu olhos não o reconheciam. Outrora fora um jovem, cheio de sardas. Agora parecia um mendigo. Por momentos pensei em fingir que o TU não era de forma alguma EU...mas não consegui.
Sentei-me.E percebi que tinha ali 40 minutos de um longo caminho...
Ele falou e contou-me toda a sua vida. Que fazia porta chaves para vender, que Jesus Cristo havia encarnado nele, como tinha sido o acidente do comboio que lhe desfez quase todo um pé.
Depois perguntou-me da minha vida...senti um aperto a gelar-me todo o corpo. E comecei a falar que ainda estudava. E resumi-me a factos desses.
Passaram os 40 minutos. Como chovia a minha mãe esperava-me na estação de autocarros.
Pedi-lhe para dar boleia também ao meu tio. Creio que gelou mais que eu. Mas não cedeu.
Fomos levá-lo a casa. Casa essa que é apenas a 1 minuto da minha...E eu não sabia.
Como prova de satisfação pela boleia recebemos uns cd's de música que ele fez questão de nos dar. Nunca os ouvimos...Nunca os gravamos...Nunca devolvemos.
Nesse dia quando cheguei a casa não descansei. Pensei.Pensei.
Há pouco tempo por motivos de saúde tive de ir ao centro de saúde...e lá estava ele. Olhou para mim. E em jeito de cópia ao que acontecera, eu disse: és tu?. Ele não respondeu. O segurança olhava para ele com o desdém como quem olha para um cão que já nos tentou morder. E começo a escorraçá-lo. Percebi então... ele procurava tomar metadona.
Realmente devia saber isso...aliás creio que quando me falou em Jesus Cristo e na sua reencarnação na sua pessoa eu percebi. Não quis ver. Não quis saber.
Continuo sem ouvir os cd's...sem os gravar...e sem os devolver.
Olho apenas para eles. E pergunto-me: Era ele?. E respondo-me : Era.Infelizmente era.
A sua imagem no autocarro, no centro de saúde nunca me vai sair da cabeça. Nem a fotografia que ainda recordo em casa dos meus avós paternos. Fotografia que recorda tempos em que ele era apenas uma criança de olhos verdes, com a face cheia de sardas e com certeza esperanças no coração!"

Um pouco triste esta história? Talvez. Verídica? Talvez.
Para a próxima tento encontrar uma feliz.

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